sexta-feira, 22 de julho de 2022

2020: O ANO QUE NÃO FOI

Publicamos hoje a escrita nostálgica de um escritor mineiro, que nos dá um banho de poesia e saudade...

Esperamos que todas e todos gostem...


 2020: O ANO QUE NÃO FOI


Preparou-se para ir à Escola. Pela última vez. Ia levar seu caderno (aliás, muito bonito e caprichado) e pegar a Declaração de Transferência. Ia também para chorar e sentir saudades.   

Resolveu chamar um colega para acompanhá-la. E lá se foram os dois, pelas ruas do bairro, atravessaram o corguinho, passaram pelos bairros vizinhos. Chegaram.  

Cumprimentam o Rogério e se lembram das tantas vezes que ficaram ali, conversando, demorando para irem para a sala de aula. Às vezes, com o porteiro. Às vezes, com o “guardinha”.  

Antes de irem à Secretaria, decidem passar pela Sala Ecológica, sala ao ar livre, debaixo das mangueiras. “Qual escola de Belo Horizonte tem uma sala ecológica tão legal como esta?”, pergunta ao colega. “Nenhuma! Nenhuma! Em lugar nenhum do mundo!”, é a resposta dele, com uma lágrima nos olhos. Sentam-se nas mesinhas, fecham os olhos. Sentem-se voltando no tempo, segundo ano, sétimo, oitavo, nono... Vendo por ali seu Rony, seu João, trabalhadores da escola cuidando do jardim. E eles no centro da sala ecológica, jogando corta três, acertando a bola uns nos outros, naquela disputinha em que só sobrava uma pessoa, a vencedora, enquanto todas as outras sobravam!  Ali também mataram muitas aulas! 

Levantam-se para irem até a quadra. Veem o professor Walber, xingando: “Ô, bagaça! Ajuda aqui, fica deste lado”, todo empolgado com as danças da festa junina. A professora Mariana, fazendo a chamada, sumida no meio daqueles meninos gigantes! A Professora Paula colocando enfeites. 

Ao lado, a Biblioteca, onde aprenderam tantas estórias e histórias. Tantas conversas com as “meninas” da biblioteca, Sônia, Isabel, Celeste e Alessandra. Tanto romance!

Descem pelo bloco de cima. Passando em frente à sala 24, param. Olham para a sala, que, ao invés de vazia, lhes aparece cheia de gente, a falação sem parar, o professor Wisley pedindo silêncio para explicar a equação de segundo grau, um colega fazendo piadinhas, a outra segurando a mão do namorado, uma terceira dormindo ao fundo, um pedindo para ir ao banheiro (o que, todos sabemos, era só uma mentira para dar um passeio pela nossa bela escola, passar em frente à sala do Professor Jamil, brincar com um colega no pátio, apenas molhar a boca no bebedouro perto da sala da Coordenação da Escola Integrada e voltar, desfilando a alegria de pertencer à EMASB – Escola Municipal Antônio Salles Barbosa).    

Sorriem. Abandonam a sala 24 e seguem para descer as escadas, em frente aos banheiros. Vão em silêncio, o coração apertado. Uma vontade de chorar. Ali se lembram do Saint Patrick Day, Halloween e a Professora Rudnéia quase aos gritos na gincana: “Vai! Vai! Vai!” e do Valentine's Day, dia de se declarar anonimamente para aquele gatinho do outro nono ano.

Na cantina lembram-se do Coordenador de Turno Gustavo, a fila, as cantineiras e suas guloseimas. 

Param na entrada da sala dos professores. Olham um para a outra, numa comunicação sem palavras. Entram na sala onde veem Nilza, Clarissa, Nathássia com seu turbante e Tide com um livro na mão e um coração cheio de ternura. Correm os olhos pelos armários das professoras: Vanessa, Vera, Carla, Ana Eliza, Tânia, Antônio Cláudio, Roberto, Mercês, Gérson, Herlon, Eurando, Bruno, Fernando, Luiza, Patrícia Magalhães, Alessandro, Flávio. Percebem que cada armário guarda mais do que livros, canetas e papéis: guarda carinho pelos estudantes, guarda cobrança, guarda preocupação com o seu futuro, guarda alegria, diálogos, broncas, “para-casa”, projetos. Guarda aquele vontade louca de ver todos os estudantes aprendendo, dando shows, se saindo bem. Também guarda provas, sim! Mas provas de amor! 

Saem dali como que inebriados de tanta saudade! Olhos marejados. Coração disparado, batendo feito bateria de escola de samba, feito carnaval da EMASB a cada ano, o Carlos da Integrada no microfone, anunciando os blocos: Bebê até morrer, Bloco do Paizão, As Góticas, Liga da Folia...   

Andam lado a lado no pátio. O pátio de tantos abraços, tantos beijos, tantos sorrisos, tantas brincadeiras e corre-corres. De repente ele se desvia para um lado. Para não trombar numa estudante cadeirante que vai conduzida pela acompanhante Iara. 

Passam pela sala do G. A. – Programa Geração Ativa. Os estudantes sentados em círculo, debatendo, numa alegria de causar inveja ao estudante mais risadinha do 9º A.   

Passam pela Coordenação Pedagógica e se lembram de Bia e sua brabeza. Das aulas de ciências, das DST’s, do corpo humano, dos hormônios, dos gametas... Do laboratório. 

Ao lado está o xerox. Mas cópia, mesmo, a Lucinha diz que só com assinatura da professora. Porém tem uniforme pra emprestar! E se você perdeu alguma pasta, caderno, lápis, trabalho, caneta, pincel, correntinha, se perdeu batom, relógio, pulseira, boné, sombrinha, blusa, pacote de bolacha, amigas, verdinho, colega que morreu ou foi morto no tráfico, nota na segunda etapa. Está tudo ali, pode pegar com Lucinha!  

Atravessam o pátio e se sentam num dos bancos, ao lado da sala 19. Veem os colegas, sem uniforme, coloridos, mochilas às costas, shorts e biquinis, preparando-se para a excursão “no clube”. Hoje o dia é de festa! Muita piscina! Almoço do bom, com muita carne! Os ônibus, cinco deles, já estão lá fora, esperando pela bagunça! É aula ao ar livre, com futebol, vôlei e muuuuuuuuuuuuuuitas fotos.      

Da porta da Secretaria, a vice-diretora Sandra os chama. Lá estão Andréia, Marcos, Ana Célia, envolvidos em mil papéis, telefonemas para as famílias, diários, atendimento aos pais que chegam o tempo todo.  

Passam pela Direção, onde a diretora Giovana lhes sorri.

Ela entrega o caderno, pega a Declaração de Transferência. Neste momento, se esquecem completamente da COVID-19, das regras de distanciamento, e abraçam, juntos, a vice-diretora Sandra.  Até Sandra se esquece, beija-os, quase aos prantos, acarinha-lhes o rosto, agradece o tempo deles na escola, sua alegria, suas loucuras, a participação nas atividades, sua juventude a nos rejuvenescer a todos.

Na portaria os dois param. Olham, mais uma vez, para o pátio da EMASB. Se abraçam. E ficam ali, num abraço eterno, a Declaração, as blusas, as calças, os tênis, tudo encharcado. De lágrimas. 


Autor: Reinaldo Fernandes

Brumadinho, MG


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2 comentários:

  1. Muito feliz por estar no blog! Ter um trabalho reconhecido é uma alegria enorme!

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