sábado, 9 de setembro de 2023

MÃOS TRÊMULAS E ALMAS FANTÁSTICAS... OU SERIA O CONTRÁRIO?

No último dia 03/09 tive o privilégio de assistir ao espetáculo MÃOS TRÊMULAS, no Sesc Guarulhos... Eu sei que uma resenha deveria ser feita enquanto o espetáculo está em cartaz, para que as pessoas possam, caso queiram, conferir se a resenha é coerente ou não... Mas eu não sou crítico profissional, nem resenhista... E nem sei se o espetáculo fará outras apresentações, em outros lugares... Caso faça, eu recomendo profundamente... A única coisa que quero, com as palavras abaixo, é dividir com as pessoas as emoções que me tomaram, depois de assistir ao espetáculo...

Espero que todas e todos gostem!


MÃOS TRÊMULAS E ALMAS FANTÁSTICAS... OU SERIA O CONTRÁRIO?


Tudo começa com um encontro e com um gozo!

Duas pessoas idosas, dois corpos envelhecidos. As marcas do tempo em evidência orgulhosa, mostrando a beleza de sua passagem. E essas pessoas se encontram... E essas pessoas gozam, um gozo oceânico...

Daí em diante são devaneios, reminiscências, feridas e cicatrizes, que nos envolvem em um abraço de cumplicidade impensável... E essas pessoas, aparentemente degeneradas, mostram toda a sua majestade...

Um ambiente marrom, anunciando terra seca, espalhando a poeira poética da experiência, vai se transformando, com a beleza de um amor extremamente autêntico, de tão improvável, em palácio dourado, onde reinam duas potestades do comum, duas divindades seculares da vida trivial...

Um encontro fortuito no ônibus leva essas duas maravilhas da vulgaridade preciosa a uma comunhão definitiva... E ambas se entregam... Entregam as mãos, trêmulas e frágeis, mas potentes... Entregam os corpos, esculpidos pelas dores e pelas alegrias de quem muito viveu... Entregam os desejos, que imaginavam sepultados por padrões hipócritas e opressores, mas que se revelaram presentes e intensos... Entregam as almas, translúcidas como versos de um poema constante... Entregam as vidas, numa cerimônia de compartilhamento maravilhoso... Ela traz suas memórias, impressas em delírios imagéticos e solilóquios delirantes... Ele traz sua solidão e sua faca, única fração de convívio social que restou de sua vida quase eremita...

Os figurinos teatrais dela convertem-se em pele porosa, plena de fantasia e amargura... A comida feita por ele, sempre de presença ausente, é o alimento que faz brilhar os nossos olhos, que terminam ávidos da possibilidade de serem aquelas pessoas mágicas diante deles... E é esse brilho que nos preenche inteiramente e nos faz dançar, com essas duas entidades, uma dança espiralada onde as duas matam, morrem, choram, riem, apaixonam-se e nos apaixonam... Um baile sem máscaras e sem disfarces, que desnuda os pormenores de uma rotina que a nossa falsidade teima em deixar encoberta... Mas a força avassaladora dessas duas personagens máximas da existência quebra a nossa falsidade e expõe as nossas próprias entranhas, fazendo-nos mergulhar nesse mar profundo do amor e, consequentemente, da verdade... E é impossível sair ileso desse mergulho... Então, saímos embevecidos e flutuantes, pois fomos banhadas e banhados pelo bálsamo de suave diamante, que justamente por não ser lapidado, mostra a plenitude de uma dureza encantadora.

Mãos Trêmulas, espetáculo com texto de Victor Nóvoa e direção de Yara de Novaes, é tudo isso e muito mais... Ou muito menos, porque é na pouquidade que reside sua potência... Nada de pirotecnias cênicas vazias... Um texto delicado e intenso, onde cada frase não poderia estar em outro lugar, em outro momento. Uma direção pontual e assertiva, que faz da insuficiência sua maior pujança. Uma atriz, Cleide Queiroz, e um ator, Plínio Soares, em interpretações que mostram entrega e sobriedade, coragem e cuidado, desprendimento e sabedoria... Enfim, todos os elementos do que podemos chamar de bom e velho Teatro, com T maiúsculo mesmo...

Mãos Trêmulas é um espetáculo que pode ser considerado uma versão cênica da poesia de Manoel de Barros, pois torna o ordinário magnífico e o insignificante sublime. Ao final, tanto as personagens como nós, somos soterradas e soterrados pela angústia e pela felicidade, por mais estranho que isso possa ser... Terminamos, todas e todos, debaixo daquelas lembranças poeirentas que sufocam, mas que também dão sentido a tudo... Saímos do espaço cênico, envelhecidos e rejuvenescidos pelo privilégio de partilhar tanta pequeneza grandiosa... E nossas almas saem tremulando lágrimas e sorrisos! 


Autor: Roman Lopes

Guarulhos, SP



A foto é de autoria de Noelia Nájera e foi retirada do site https://infoteatro.com.br



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