quinta-feira, 1 de abril de 2021

SINESTESIA DAS TRANSPORTAÇÕES INDELÉVEIS

Continuando as publicações de textos resultantes da Oficina Palavra Liberta: a Pós-Metáfora na Criação Literária, trago hoje uma crônica alucinada (e alucinante), escrita por Aline Bischoff, intitulada SINESTESIA DAS TRANSPORTAÇÕES INDELÉVEIS... Publico, ainda, um trecho da avaliação que ela fez da oficina...

"Através de trocas produtivas entre distintas visões, pudemos compartilhar olhares e sensações, sobre imaginações e observações literárias. Diversos estilos de escritas permearam esta trajetória, enriquecendo nosso curso. A cada aula, o leque do nosso olhar se ampliava, para o horizonte desconhecido e inimaginado da pós-metáfora, distinguindo seus elementos construtivos ou desconstrutivos”.


SINESTESIA DAS TRANSPORTAÇÕES INDELÉVEIS

Inserida no meu meio de transporte voador, eu me sentia mais leve do que uma pluma. A tudo lá fora, eu enxergava claramente, independentemente da direção em que eu olhasse. Janelas não existiam, tampouco era preciso algum piloto. Eu era a única passageira a bordo. Para onde estava indo? Desconheço. Sentia que era a minha própria vontade ou a ausência dela que o conduzia. Sobrevoávamos placidamente. As paredes eram lisas, úmidas e translúcidas, por vezes assumiam as cores de um arco-íris e fulguravam ao tremeluzir de púrpuros raios solares. Eu avistava campos de girassóis soturnos e magnólias desvairadas, por onde pássaros malabaristas encenavam números complexos de ilusionismo lúdico para uma plateia de insetos perplexos. De repente, ouve um estalo. Pensei que fosse haver alguma alteração no curso da viagem, mas prosseguimos. No entanto, notei que externamente tudo estava imóvel. Menor ação que fosse, ali havia. As folhas das árvores não mais balançavam, até mesmo as aves se calaram. Todavia, eu continuava em pleno deslocamento. O silêncio era ensurdecedor. Passados alguns instantes, lentamente tudo começou a se derreter. Não havia mais nada concreto, só o vazio. Esse era palpável e sua forma devorava todas as formas, por onde passava, espalhando ira e dor. Apressada, eu sabia que precisava fugir. Numa luta frenética com mecanismos que eu desconhecia, acelerei o trajeto, a todo vapor. Subi e subi o mais alto que pude, rompendo todas as camadas invisíveis, para então atingir novamente a imensidão. Estava livre. Pronto, havia conseguido! O pior tinha passado e agora, diante dos meus olhos estáticos, surgiam novos horizontes para explorar e eu rumava ao encontro do desconhecido. Sentia-me estranhamente protegida, como se estivesse dentro de um maravilhoso ovo cósmico. A solidão não me incomodava nem um pouco. Muito ao contrário, ela me fazia companhia. Éramos as melhores amigas e não pretendíamos nos deixar nunca mais. Mas eu estava cansada. Precisava pousar em terra firme novamente. Decidi aterrizar. Avistei um local onde tudo era gelo. Não pensei duas vezes, desci. Caminhei em direção à única pessoa que avistei. Havia uma fogueira e ela preparava um chá, que muito solicitamente, me ofereceu. Educadamente recusei, sabia que se eu tomasse daquela efusão, eu congelaria por dentro. Novamente, precisei ir embora. Para onde iria agora? Anoitecia. Foi quando surgiu à minha frente um caminho de borboletas luminosas, que se erguia para além de uma montanha sonora, por entre a névoa ágil e vibrante. Era um convite. Eu deveria aceitar? Teria então que visitar o incompreensível, traçando rumos pelo invisível, em fissuras de um solo árido e discreto, sedento por algumas sementes da mais pura ilusão. E por entre anseios irreais, indecifráveis sombras sussurrantes, contariam que somos formados pela transformação simultânea, desprovidos da matéria colorida, do nosso autêntico e inalcançável ser.


Autora: Aline Bischoff
Osasco - SP
Escrito em março de 2021
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11 comentários:

  1. Literalmente, viajei com a Aline Bischoff (rs). Que massa!!

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    1. Uma satisfação imensa ter a sua companhia nesta viagem, Janethe!!! (rs)

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  2. Um conto fantástico que faz uma viagem dentro do seu próprio ser. Ótimo!! Parabéns!!!

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  3. Uma crônica cheia de simbolismo e poesia. Parabéns!

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  4. A satisfação por ter participado desta oficina é imensurável!!! Gratidão infinita a todos, em especial ao nosso estimado Professor Roman Lopes!!!

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  5. O as janelas que não existem são os espelhos da alma um arco íris é uma aliança não quebavel, girassóis representante a prosperidade,fugir para nada assumir,as falhas só não balança em dois horários meio dia e a meia noite, em que momento vc se encontrava nessa viagem?um desconhecido que vc sabia o que era e onde estava só que vc tinha medo de aceitar, solidão não lhe incomodandava porque vc não está só,o gelo estava dentro de vc porque está com medo,a fogueira que aguecia a sua mente um pouco de fome e a aconchego, borboleta metamorfose mudança de rumo e de planos no seu caminho,sedento por uma semente do conhecimento, sombra das suas dúvidas e descontentamento dessa viagem sem rumo e sem autenticidade , adalva Maria Alves

    Rsrs desculpa eu só sei ler fazendo resumo da minha visão e do meu prazer parabéns linda metáfora em busca do seu elo perdido . A sua alma desprovida

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    1. Muito obrigada! Por isto mesmo que eu amo metáforas! Essa multidão de interpretações e questionamentos possíveis é fascinante!!! Quanto ao horário, talvez nos dois momentos, nas diferentes situações, ou ainda em nenhum deles...

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