quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

EU TIVE UMA IDEIA!

Sempre esteve em minhas reflexões as nuances da liberdade...

Há quatro anos, resolvi transformar algumas delas em espasmo poético...

Espero que todas e todos gostem!


EU TIVE UMA IDEIA!

QUE BOM QUE FOI SÓ POR UM INSTANTE!

ou

VAMOS POETIZAR A ESCOLA

 

Aonde nasce uma ideia? Em que sítio longínquo e misterioso se forma esse ente aparentemente tão simples, mas sempre envolto em fantasia e expectativa? O que faz essa partícula infinitesimal de qualquer coisa transformar-se na imensidão que inunda com suas águas torrenciais de maravilhas o deserto solitário da nossa mente, que sem ela ficaria vazia e sem sabor?...

Navegar nos oceanos incontáveis das ideias é a nossa redenção e a nossa maldição. Frutos de texturas escalares, indo do mais doce à inodora fealdade, elas pululam dentro de nós, mesmo que a nossa vontade lute para que elas permaneçam em suas cavernas soterradas pelo bom senso...

O som das ideias é som de ventos e luas, som de sóis e divindades... É a canção mitológica das pulsões imaginadas por aquilo que, em verdade, poderíamos chamar de alma: a fagulha que grita para virar incêndio... Somos carregados por esse som, num acalanto às vezes assustador, pois nos leva por cifras desconhecidas e melodias atonais, desequilibrando a harmonia que aprendemos, a pulsos firmes e cortados, ser o ritmo real da vida...

Somos pintores compulsivos de quadros que são compostos pelos nossos pincéis neuronais, transformando energia intangível em imagens multifacetadas de cores poli angulares e brilhos translúcidos irreverentes... Somos artistas de uma live art insana, produzindo happenings sucessivos no espaço às vezes inacessível dos nossos desejos reprimidos. E levamos a plateia invisível dos nossos delírios ao extremo do prazer...

Uma ideia nasce para se perder... Entidade pouco afeita às regras da boa conduta, ela surge em nós e nos abandona, para ganhar o mundo e espalhar sua seiva cremosa por todas as paragens por onde passa... Paradoxo fantástico de uma filha deliciosamente desobediente... Viver sem liberdade para ela é não viver... Então ela salta no vazio pare encontrar-se com suas outras irmãs, entusiastas todas do sem limite...

Essas entidades deslumbrantes não possuem forma fixa e nem tonalidade única... Elas estão além dos gêneros e das classes... Não contam uma idade e não apresentam prazo de validade... São fluidicamente dispersivas e amorosamente abrasivas... Elas nos alimentam, mas nos corroem se ficarmos muito tempo com elas...

Deixemos as ideias cumprirem sua missão primeva de loucura! Elas são poesia florida e concreta, cujos versos possuem métrica dura e suave... Que elas espalhem o pólen da transgressão renovadora por todos os jardins monótonos de uma existência incolor, inodora e insípida!

Entretanto, o sistema devorador das gelatinas criativas caça as ideias como animais selvagens que se não puderem ser domados, são mortos e expostos em frigoríficos para vendas de cortes nobres... Ele aprisiona as ideias nas armadilhas violentas dos padrões estabelecidos e das ações pré-programadas em complexos binários de certo e errado...

Esse monstro insaciável assassina o divino que nasceu dentro de nós, clonando-os e devolvendo-nos um simulacro de imaginação, para saciar falsamente a nossa sede inata de experimentar o mundo... E, com isso, as ideias são embaladas nas redomas vitrificadas da ordem e do progresso...

Plantando a falsa semente de que temos posse das ideias e, pior que isso, podemos lucrar com sua forma, que por isso precisa ser fixada, o sistema coloca as ideias no campo de batalha das vaidades individualistas, conformando-as em moedas de troca incoerentes e egoístas...

O espaço plurivérsico da escola, ilha flutuante desse sistema magnânimo e sarcástico, é um reino de trocas sem moeda... Pelo menos deveria ser... Espaços habitados por pessoas em relação perene, a escola é terreno fértil para a proliferação das ideias. Ninguém sobrevive nesse espaço sem que as ideias corram livres entre as pessoas... Elas são o ar a ser respirado coletivamente, num banquete existencial onde todos servem e são servidos... Balé ontofágico onde todos são bailarinos e espectadores...

Acontece que essas ilhas estacionaram... Ancoradas em ideias pasteurizadas nos registros repetitivos do consagrado, as escolas promovem o extermínio das ideias... Tendo como arma a repetição, filha da preguiça e do desânimo, neta do patriarcal sistema que tem como política a mumificação das ideias, as escolas promovem, em verdade, um espetáculo morno de conhecimento monocórdico, onde as vozes se tornam o coro dos desavisados e dos ébrios, tomados pelas promessas de importância fantasiosa...

Quebremos as correntes que seguram essas âncoras!... Vamos revitalizar a poesia essencial de uma escola que tem, em seus versos, a rima rica do fluxo livre das ideias... Vamos deixar as ilhas flutuarem novamente, sem rumo definido e com destino irreconhecível... E isso se faz com a comunicação despretensiosa e horizontal entre as pessoas... Falemos nossas línguas diversas, escrevamos nossas estrofes sinceras, para que todos juntos possam ler o poema definitivo, porém sempre mutável, de uma epistemologia elástica, a epistemologia poética das ideias transformadas em experiências...

 

Autor: Roman Lopes

Guarulhos - SP

Escrito em 2017 


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