TEORIA DA EVOLUÇÃO DE UMA ESPÉCIE
“Sonhar
mais um sonho impossível, lutar quando é fácil ceder, vencer o inimigo
invencível, negar quando a regra é vender...”. Essas maravilhosas palavras do poeta Chico levam
fatalmente a uma reflexão profunda e, porque não dizer, espiralada da vida.
Qual a nossa relação com o mundo? Como percebemos o que existe à nossa volta? E
o que existe dentro de nós?
Desde que surgiu no planeta, seja através do sopro divino, seja através da substituição evolutiva das espécies ou através da insanidade imaginativa de seres de outros planetas, o ser humano existe na sua condição animal. Alimenta-se, pula, anda, ajoelha-se, treme, reproduz-se e morre. Uma existência simples, livre de conflitos e destinada a... Nada. Não há destino, não há caminho. O ser humano existe. Não é feliz, nem triste. Apenas existe.
Quando, por uma travessura do deus brincalhão, por uma evolução natural da estrutura cerebral ou pela explosão da lembrança das origens siderais, até então guardada em algum recôndito profundo da memória, o ser humano passou a perceber que existia entre ele e o mundo uma relação qualquer, ele continuou alimentando-se, tremendo e morrendo. Só que agora com consciência. Uma consciência ainda fugaz, onde muitas vezes imperava a confusão e a incerteza (será que o tempo verbal é o mais apropriado?). Porém, uma consciência. Com o alimento, veio o prazer da saciedade e a dor da fome. O pulo juntou-se à alegria e ao júbilo. O frio virou parceiro da tremedeira. A morte... O que fazer com essa consciência? Como levar adiante essa relação? O fenômeno virou ícone. É preciso compartilhá-lo. Temos que nos ajoelhar diante das forças superiores e esmagar os insetos. Veio a condição humana. Veio o caos...
Com o decorrer do tempo o ser humano vai aprendendo a dominar essa consciência e passa a controlar sua relação com os fenômenos, compartilhando seus ícones e tornando-os compreensíveis a todos os outros seres humanos. Começa a nascer a comunicação. É o início da simbolização da vida. A caverna vira livro de histórias e o homem dança ao redor do fogo, clamando pela benevolência sobrenatural na sede de garantir o seu lugar ao sol. O caos, no entanto...
O homem estruturou-se em civilizações,
criou sistemas de comunicação e rituais de adoração, para a fartura da colheita
ou para servir de alento à dor da morte. Os animais transformaram-se em
cidadãos e os símbolos passaram a fazer parte da vida comunitária. Monumentos e
sofrimentos. Os pulos e os joelhos. O êxtase da orgia dionisíaca, a prostração
silenciosa e voluntária do orador cristão. A vida ganhou um índice. Os fenômenos foram
numerados...
Onde está o sonho impossível? Onde estão a luta e o inimigo? Chico perdeu-se no labirinto dos devaneios solitários daquele que tenta ordenar os pensamentos de forma lógica. Mas os fenômenos insistem em se manifestar na sua pureza essencial, tornado tudo confuso. Os ícones, os símbolos e os números se misturam, criando uma massa disforme que tenta desesperadamente transmitir alguma mensagem. No entanto, a carta está dentro da garrafa e o mundo não sabe como tirar a rolha. Afinal, o oceano não trouxe o manual de instruções...
Dominamos o planeta e acreditamos ser os únicos habitantes daqui. As outras espécies aqui vivem somente com a nossa anuência. Compreendemos tudo, explicamos tudo. Compartilhamos as nossas experiências e padronizamos os fenômenos. Fortalecemos a condição humana, numerando as páginas da vida (sai desse corpo, Manoel Carlos, que ele não te pertence!). Estamos seguros no nosso majestoso trono de comando planetário. Porém, nos afastamos dos fenômenos. Movidos pela sabedoria, pela criatividade e pelo medo, construímos nossa redoma de proteção e deixamos a vida do lado de fora. As interpretações são suficientes. Esvaziamos os ícones e os símbolos. As sinapses foram congeladas no frigorífico de uma rede neuronal cada vez menos plástica e cada vez mais condicionada. É o império de Pavlov. Ampliamos o caos... O índice foi sumarizado.
Construímos palácios e ficamos ricos. Construímos guerras e ficamos mortos. Assistimos às novelas e ficamos paralisados. A vida é um reality-show sem graça, que já passou da milionésima edição. Já vimos de tudo. A imaginação do diretor não tem mais o que inventar. Votamos para saírem aqueles que ficam e não entendemos mais nada. Perdemos o controle da vida e morremos no trânsito daquilo que acreditamos conhecer. A Ciência desfila uma série de conceituações e postulados. Vamos dormir tranquilos e iludidos. O espiral virou engrenagem. Será que ainda existe uma luz no fim do túnel?
A luz está no fundo da caverna. Apesar da redoma do pensamento, ainda respiramos o ar puro dos fenômenos essenciais, pois existem furos para a circulação. Chegou, então, a hora de circular. É o momento de mergulhar novamente no espiral. A Arte é um veículo. Com mil rodas e cem asas. Ela brinca com os ícones e faz malabares com os símbolos. Ela ri dos índices e subverte os números das páginas. Com ela, podemos pacificar as guerras, repovoar as árvores, reflorestar a lua. Com ela, transformamos os postulados em quebra-cabeça de crianças e brincamos de pega-pega com os fenômenos Com ela, enfim, o mundo vai ver uma flor brotar do impossível chão... Chico encontrou a saída!
Autor: Roman Lopes
Guarulhos - SP
Escrito em 2011
2020... e, de novo, cá estamos nós, tentando encontrar uma saída, uma cura, não somente para o vírus da COVID-19, mas, também, para o vírus da ignorância, que se alastrou de forma mais rápida que o vírus da gripe..
ResponderExcluirE enquanto não se encontra a "cura" (saída?) para essas coisas, vamos novamente de Chico Buarque:
"Mesmo com o nada feito, com a sala escura
Com um nó no peito, com a cara dura
Não tem mais jeito, a gente não tem cura
Mesmo com o todavia, com todo dia
Com todo ia, todo não ia
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa guia"